“Se tudo foi criado por Deus, de onde é que ele apareceu?”
Esta pergunta é daquelas que já todos nos colocámos, e a resposta não é difícil de explicar. A maneira resumida como o Cristianismo responde à tua pergunta é com a seguinte tese: Deus não apareceu de lado nenhum, precisamente porque ele não «apareceu»; ele sempre foi. Isto é o mesmo que dizer: acreditamos num Deus eterno (sem princípio nem fim), e essa é a resposta à tua pergunta. Nisto deves pensar: “obrigadinha, mas é nisso que eu não acredito”. Ora: eu não te consigo provar que Deus existe – mas eu consigo provar-te que aquilo em que acredito não é totalmente descabido, e definitivamente não é uma impossibilidade. Na verdade, talvez até te consiga demonstrar que é, mais que uma possibilidade, uma probabilidade, e atrevo-me a mais… uma necessidade. Mas repara: esta questão é simples, e, ao mesmo tempo, mais profunda do que parece. Normalmente é uma questão colocada ao Deus do Cristianismo, porque ele é Criador; mas esta é uma importante questão lógica que os filósofos se têm colocado há milénios acerca da existência do Universo. Hoje podemos dizer que existe uma resposta a esta pergunta, e o mais curioso é que a resposta teórica não passa por Fé nem Religião, mas apenas por Lógica e Física. Interessado/a?
ANTES DE TUDO EXISTIR, ALGO TEVE DE EXISTIR
O Ser é Infinito: Ele Existia Antes do Nada
Se reparares, ambos parecemos partir do mesmo pressuposto: as coisas não vieram no nada. Eu digo que Deus as criou, e tu aplicas a mesma ideia ao próprio Deus: ele não pode ter vindo do nada.
Para esclarecer este ponto está o facto de que, realmente, se as coisas existem, algo teve de existir antes delas. Como o mais básico funcionamento da física nos mostra, do nada não surge coisa alguma. E isto não se limita apenas à matéria: a própria energia é algo, e é algo que precisa de uma fonte. Do completo nada não surge coisa alguma apenas pela realidade física de que não existe nada para surgir. Por esse princípio básico, podemos ter a certeza de que as coisas que existem no nosso Universo não se criaram a si mesmas: porque nem a energia nem a matéria se criam a si mesmas, nem surgem do nada. Alguns filósofos como Aristóteles tentaram contornar este problema dizendo que o Universo é eterno, isto é, sempre existiu. Contudo, isto já tem sido desaprovado pela Ciência e pela Filosofia, resumidamente por 2 razões:
1) a Ciência Empírica mostra que o Universo está num ciclo e, mais importante ainda, que esse ciclo é único e não repetido infinitas vezes;
2) existem coisas que podemos verificar na Existência (em toda a realidade) que são superiores ao Universo e são necessárias para que ele exista. Alguns exemplos, aos quais podemos chamar de “seres”, são a matemática, a lógica, e a geometria. Estes “seres” são superiores ao Universo porque eles podem existir numa Realidade onde não haja matéria, mas a matéria não pode existir numa realidade em que não existam esses “seres”. Isto leva-nos à conclusão de que o próprio Universo não é necessário para que exista uma Realidade; e, segundo a Lógica Modal da Filosofia, tudo o que não é necessário na Existência tem uma causa ou explicação exterior e superior a si mesmo. Daí surge a necessidade lógica de que o nosso Universo tenha tido um início.
Os teístas acreditam que esses seres, necessários e exteriores ao Universo, como a matemática, a lógica, e geometria, vêm do Deus que criou o Universo, pois são leis de acordo com a Natureza racional, inteligente, e ordenada desse mesmo Deus. Por exemplo, os números não são infinitos apenas “porque sim”. Há algo maior e mais completo que eles, que faz com que eles sejam o que são. Mas, então, já que o Universo não é eterno, de onde surgiu aquilo que é superior a ele, isto é, esse tal Deus Criador do Cristianismo?
O Ser é Infinito: Ele Existia Antes de Tudo
A questão é simples. Se chegássemos à conclusão de que Deus tinha sido criado por algum ser, colocar-se-ia a mesma pergunta de novo: de onde surgiu o ser que criou o ser que criou o Universo? A esse também se aplicaria a mesma pergunta: quem criou o ser que criou o ser que criou o ser que criou o Universo? – e este problema seria levado até ao infinito. Chegamos assim à conclusão de que, se alguma coisa existe, alguma coisa tem de ter existido antes dela, mas este processo não pode ir até ao infinito porque isso é uma impossibilidade lógica. Porque é que esta corrente não pode ir até ao infinito? Porque, pela lógica, se não há um fim nesta corrente, significa que ela nem sequer começou, e isto é dizer que, na prática, não há nenhum criador do criador do criador (…), o que significa que nada existe.
Então, até aqui, temos o seguinte:
- Nada surge do nada, alguma coisa teve de ser criada.
- Para a corrente de criação existir, ela tem de começar em algum ponto; porque, se não, nada é realmente criado.
- Logo, será sempre preciso nomear alguém que começou a criar.
Por outras palavras: a corrente não pode ir até ao infinito, logo, é necessário haver um agente criador inicial.
A chave está precisamente nessa palavra: infinito. A única conclusão lógica que se infere deste problema é que tem de haver um infinito que é superior a tudo o resto, uma entidade que existiu eternamente antes de todas as outras coisas, e da qual todas as outras coisas dependem.
Já vimos que o Universo não pode ser infinito. No fundo, a resposta a esta necessidade Lógica é dada pela Bíblia: não é preciso apelar a nada além de Deus, se concluirmos que, tal como a Bíblia o apresenta, Ele é O Infinito, O Eterno que começou o processo de Criação.
Este Deus descrito na Bíblia é pré-existente, auto-suficiente, tem uma identidade, e, na sua inteligência e racionalidade, decidiu iniciar um processo de criação.
CONCLUSÃO
O infinito pode ser um conceito difícil de compreender. Temos sido habituados a acreditar que tudo o que vemos é tudo o que existe, logo, não existe nada para além do Universo. Mas, como espero ter demonstrado, a existência de um infinito superior ao Universo na realidade não é um erro; é, pelo contrário, uma necessidade na nossa Existência, que pode apenas ser difícil de compreender.
A tua questão direccionava-se inicialmente ao Deus do Cristianismo, o Deus descrito na Bíblia, mas acaba por ser uma questão que, na teoria, é respondida pela Lógica e pela Ciência. Com isto, o Cristianismo traz a resposta na prática. Esta questão filosófica veio desde a Grécia antiga até aos dias de hoje; mas a resposta tem estado num livro da Bíblia, Génesis, desde c. 1450 a.C..
A Natureza apresenta-nos a necessidade de haver um Ser que seja Eterno/Infinito e que seja Criador do Universo. A Bíblia apresenta-nos precisamente esse Deus, que criou um mundo segundo a Sua Racionalidade e Inteligência, e um mundo que é, por isso, necessariamente finito e dependente dEle.
“No princípio criou Deus o céu e a terra.” (Génesis 1:1)
“No princípio, era o Verbo [original grego “logos”= conceito, palavra, razão/racionalidade], e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.” (João 1:1-3)
“É que tudo veio de Deus e tudo existe por ele e para ele. A Deus seja dado louvor eternamente. Amém!” (Romanos 11:36)
Então, parece que a verdadeira pergunta a fazer é: se não houve um Deus a criar todas as coisas, de onde é que elas apareceram?
“But you cannot go on ‘explaining away’ forever: you will find that you have explained explanation itself away. You cannot go on ‘seeing through’ things for ever. The whole point of seeing through something is to see something through it. It is good that the window should be transparent, because the street or garden beyond it is opaque. How if you saw through the garden too? It is no use trying to ‘see through’ first principles. If you see through everything, then everything is transparent. But a wholly transparent world is an invisible world. To ‘see through’ all things is the same as not to see.”
– C. S. Lewis, in The Abolition of Man
[NOTA: para este texto usei, de uma forma simplificada, alguns conceitos que vêm do “Argumento Cosmológico” e da “Lógica Modal”. Também mencionei a Bíblia e o livro Génesis. Se gostarias que eu desenvolvesse melhor esses e/ou outros assuntos noutros textos, diz-mo através dos comentários ou da página “Contactar”!]
Fontes:
https://plato.stanford.edu/entries/cosmological-argument/#DeduArguCont