“um drama humanitário perante um conflito que já fez pelo menos 511 mil mortos, incluindo 350 mil civis”
Mortos. O conflito fez mortos.
Entre um (1) e quinhentos e onze mil (511 000), nenhum é admissível…
E porquê distinguir as mortes dos civis?
Por alguma razão, o número de mortes civis parece superior ao número total… Quando se fala nas possíveis consequências de uma jogada militar, considera-se “o número de mortes civis”… elas soam a desgraça acrescentada.
A guerra só se torna guerra para nós quando uma pessoa sem farda é atingida por uma arma? A morte de civis é uma ofensa maior?
Eu leio as notícias e penso que o nosso limite de tolerância em relação à guerra não deveria ser a morte de civis. A morte de pessoas sem farda não é uma boa definição da desgraça que é a guerra.
Mas o exército tornou-se, na nossa mente, uma massa cavalgante de seres cujo único propósito é defender ou matar. Na verdade, se aqueles seres querem sobreviver na guerra, não podem ter outros propósitos senão esses, pois outros pensamentos quaisquer farão deles mais humanos e, consequentemente, mais vulneráveis… Na verdade, eles reduzem-se àquilo em que o nosso conceito os transformou. Este nosso conceito de fábrica, produção em massa, está a tornar milhares de pessoas em vultos que manuseiam armas e marcham numa só direcção.
Aqueles homens só marcham numa direcção porque, quando voltam, já não são os mesmos.
Mas, antes de serem militares, os militares também são civis. No final do dia, o que têm eles de diferente dos demais? Roupa especial, treinamento para matar? Mas não fomos nós que lhes impusemos isto? Porque é que um homem não tem mais que guerra na sua cabeça? A culpa é do sistema? Mas o sistema somos nós.
E se a culpa era desse homem? Esse homem queria ser um vulto no exército? Ele queria vestir a farda e aprender a matar o próximo? O homem que quer matar e o homem que faz das armas brinquedos são as maiores vítimas da guerra, são os mais miseravelmente feridos, e, coitados, precisam da nossa ajuda.
E, contudo, a guerra parece-nos mais grave quando morrem “civis”. Afinal, quem são os civis? Senão pessoas tão indefesas e de tanto valor como todos os outros; são seres humanos que quiseram tanto a guerra como aqueles que vão ao campo lutá-la.
Se os números de “mortes civis” nos impressionam mais que os outros números, estamos a pensar da mesma forma que a máquina da guerra, e estaremos, então, a contribuir para a asquerosa noção de que um homem com uma farda é carne para canhão.
rrc