Por vezes a vida parece um ciclo de ser deixada e deixar ir. Há em nós um bocadinho de toda a gente, um bocadinho de todos os lugares, e, do mesmo modo, nós mesmos estamos espalhados por aí. Isso deixa muitas perguntas por responder.
Por vezes pergunto-me se os outros se sentirão tão espalhados quanto eu. Certos dias, é muito difícil discernir se este é o sentimento de estar em todo o lado ou de não estar em lado nenhum. Quase todos os dias parece não haver um meio termo.
Como uma mão que tenta segurar areia, muitas vezes vi-me forçada a deixar que se me escapassem por entre os dedos sonhos, pessoas, desejos, projectos de vida. “Os teus projectos não eram os Seus”, dizem. Acredito. Melhores dias virão.
O escorrer da areia, tenho aprendido, é sobretudo uma questão de tempo, e não tem tanto a ver com a forma como a seguro. A areia tem o seu curso próprio, tão matemático que por ele se contam minutos. Os meus dedos, treinados e talentosos para tantas outras coisas, não fazem nada perante aqueles milhões de pedrinhas que se movem como um corpo só na superfície do planeta.
Também é uma questão de tempo até que o vento sopre de novo na praia, e esse, sem qualquer dúvida, eu não posso controlar. Esse é imprevisível e impetuoso, e muitas vezes apanha-nos de rajada. Mas também, por viver numa ilha atlântica, sei que mais rapidamente o vento nos enche o saco de areia que nós próprios, de mãos em concha, pelo nosso próprio esforço.
Os meus esforços até hoje têm sido maioritariamente inúteis, porque normalmente consistem em segurar grãos de areia nas mãos, ou tirar a areia do meu saco enquanto o vento sopra a praia inteira para cima de mim. Os melhores esforços que fiz até hoje foram de renúncia à minha própria vontade, e, oferecendo diligentemente aquilo que tenho de melhor, deixar-me voar para onde o vento me levar.
O certo é que ainda encontro nas minhas malas grãos de areia de outras praias, de verões passados. O certo é que, nos meus passeios, quase tropeço na quantidade imensurável de conchas bonitas que posso segurar, ou recordar, mas sempre coleccionar. O vento nesta metáfora é Deus, e, ainda que por vezes me entrem coisinhas nos olhos, nunca me faltou o doce aroma da ressalga nos pulmões, e nunca me faltou a força motora das velas, que sempre indicou a que praia ir a seguir.
Hei de regressar a algumas praias onde já caminhei, hei de aportar noutras, novas e exóticas. Sei que, ao escolher algo, estou a abdicar de todo o resto. Quando escolho abrir as mãos, abdico da prisão que são as minhas próprias limitações. O que recebo em troca é muito mais do que aquilo que os meus olhos poderiam avistar ou os meus dedos segurar.
Por isso, eis-me aqui, sem qualquer dúvida de que, sem tardar, serei soprada até uma nova aventura para a qual fui feita e preparada. E, se foi para isso que até hoje tantas vezes levantei a âncora, então, de todas as vezes, ainda bem que o fiz. De âncora na mão, estarei sempre atenta às mãos do Mestre.