contra-cultura

“Vivemos tempos perigosos para a nossa liberdade na defesa da família e dos valores cristãos.”

Nos últimos dias despoletou-se o alarme geral entre o meio Cristão porque, através de um partido político, a doutrinação da ideologia de género esquerdista finalmente está a chegar às escolas de uma maneira indissimulável.

No Facebook de muitos cristãos têm havido partilhas e publicações de notícias, fotos, ilustrações e textos que pretendem em parte marcar uma posição quanto aos valores defendidos, expressar o ultraje sentido pelo ataque sofrido, e, principalmente, acusar os “oponentes” de serem intolerantes ao acusarem os cristãos de intolerância.

(in)finda esta montanha russa de dedos a serem apontados entre os dois extremos do espectro, e frases semelhantes ou quase iguais àquela inicial, li ontem um artigo fantástico que é sobre outro assunto – ou talvez não. Aqui se encontra para os interessados: https://blog.heartsupport.com/lets-stop-pretending-christianity-is-actually-relevant-okay-ade4c00dabcc

 

De volta à frase inicial, que me deixou a pensar.

“Vivemos tempos perigosos para a nossa liberdade na defesa da família e dos valores cristãos.”

Pois é, e deixem-me ir directa ao assunto: os tempos são perigosos porque finalmente somos tirados da nossa zona de conforto. Até agora vivemos numa sociedade que funcionava mais ou menos como nós queríamos e não nos trazia desconfortos ou inconveniências ao questionar os nossos valores sobre assuntos como a família. Apesar de tudo, temos vivido num país que funciona sobre os valores cristãos; aliás, por isso nos sentimos tão agravados com esta mudança de paradigmas.

Os tempos são perigosos porque aqueles que têm ideias opostas às nossas estão a ganhar a mesma liberdade que nós tivemos até agora, estão a questionar discriminadamente as nossas posições, e isso está a abanar o nosso chão.

Muito poderia eu dizer a favor dos valores cristãos e contra a nova ideologia de género, mas não é esse o assunto que me revolta hoje.

Vejo pais com medo daquilo que os filhos vão aprender na escola. Eu imediatamente pergunto: porquê? Afinal, a educação não vem de casa? Afinal, os nossos valores são tão fracos que se vão desmoronar face à adversidade? Afinal, não são os cristãos capazes de suportar perseguição? Não são, inclusivamente, nascidos dela? Ainda por cima, há quantos anos andamos nós a aprender o Evolucionismo nas escolas? Isso alguma vez impediu um Criacionista de continuar a acreditar que, ao contrário daquilo que somos levados a afirmar nos testes, Deus criou o mundo perfeito e que o pecado o faz regredir?

Amigos, eu só quero dizer que os tempos não são mais perigosos para nós hoje do que eram para os cristãos primitivos. Porque os Cristãos dos séculos I e II, que eram uma verdadeira minoria, defendiam valores de amor ao próximo que eram completamente novos e estranhos para uma cultura romana já imposta, opressora, cheia de violência e baseada no desprezo à vida. Só o verdadeiro cristianismo florescia neste ambiente, e foi precisamente por isso que ele se propagou.

Por outro lado, se contrastarmos essa época com a nossa, não em termos ideológicos mas em termos sociais, temo ser levada a admitir que nós somos os romanos nesta metáfora. Nós somos a sociedade que esteve até hoje confortável na aceitação social dos seus valores. E não vale a pena tentarmos justificar-nos: “Estamos a ser colocados entre a espada e a parede! Estamos a ser forçados a defender os nossos ideais!”. É que, para enfrentar adversidade, tem-se tornado cada vez mais evidente que a nossa estratégia não é defender-nos, mas sim atacar os oponentes, acusando-os de intolerância e agressividade irracional contra os bons valores e, assim, tornando-nos exactamente iguais a eles.

Na boa prática da verdadeira tolerância há limites. Os filósofos John Rawls e Karl Popper concluíram que, paradoxalmente, a sociedade tolerante não pode tolerar o intolerante, ou seríamos forçados a tolerar o nazismo. Mas por isso mesmo convém percebermos que, aos olhos dos esquerdistas, os cristãos são os intolerantes. Em toda a razoabilidade, de que serve entrarmos numa troca infinita de acusações? “Tu és intolerante!” “Quem diz é que é!” “Não, tu é que és!” “Estás a ser irracional!” “Estás a ser retrógrada!” “Ai, ele bateu-me!” “Não bati nada!” “Mãaaae, ele bateu-me!” “Tu estavas a ser intolerante!” “Tu magoaste-me! Atacaste os meus valores!”

E como podemos acusar “os que defendem a «ideologia de género»”, como se nós não tivéssemos uma também, e não a estivéssemos a erguer como uma bandeira? Ou estamos acima das ideologias? Estamos acima do debate de ideias? Então afinal são os outros que estão a impor a sua ideologia aos nossos filhos inocentes, ou é a nossa ideologia que já está imposta há muito tempo, e nós simplesmente não queremos ser incomodados?

Jesus nunca condenou os pagãos por viverem da maneira que viviam, nem teve medo que uma sociedade pagã fosse comprometer a fé dos filhos dos cristãos. O Cristo sentava-se com os sujos e os pecadores, e supria as necessidades deles, e foi o amor não julgador e as palavras não condenadoras que os levaram à conversão. Já imaginaram um Jesus que gritasse para os pagãos “vocês representam um ataque aos valores divinos! Deixem de impingir o vosso pecado à nossa sociedade, porque isso compromete a minha liberdade de defender os bons costumes!”? Curiosamente, isto soa mais ao que ele dizia aos religiosos. E foram eles que o mataram.

Nós ainda não vivemos um cristianismo perseguido. Nós ainda temos liberdade para defender os nossos valores. Mas a defesa dos nossos valores faz-se, ironicamente, não de uma maneira defensiva, mas sim ao deixar que o nosso exemplo positivo denuncie o porquê de os nossos valores serem muito melhores. O problema é que não é bem isso que  muitos cristãos estão a fazer.

Na verdade, estamos a desejar que os nossos valores continuem a ser a base da sociedade, e estamos atacar como um chihuahua raivoso tudo o que nos traz insegurança. E se os cristãos evangélicos – uma expressão já manchada de uma péssima conotação – continuarem neste ritmo, então sim, a verdadeira perseguição chegará sem tardar. E, se querem que vos diga, eu ficarei feliz, porque só sobrarão os verdadeiros imitadores de Cristo, que não se impingem tentando provar a sua relevância para uma sociedade que não os quer ouvir, mas são cristãos cujo simples exemplo vivido chocará a sociedade de uma maneira que a vai atrair.

Aquilo que reside para lá da Pós-Cristandade num país ainda nos é um mistério, mas eu suspeito que os que resistirem se tornarão, finalmente, nos cristãos primitivos daquela metáfora.

rrc

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