enquanto nós estamos na cidade, ocupados, distraídos, apressados, frustrados, fazendo coisas de que não nos orgulhamos e orgulhando-nos de coisas que não valem nada,
a floresta permanece aqui, onde sempre esteve, no mesmo lugar.
está cá a lagarta que demora a tarde a atravessar uma rua para encontrar a sua comidinha do outro lado. estão cá as congregações de moscas que passam o dia a conversar e a dançar por aí. estão cá o zangão e as incontáveis abelhas a deliciar-se com as flores dos arbustos. aquelas borboletas que ainda há pouco me vieram explorar também estão aqui quando eu não estou. não foram elas que vieram ter comigo, fui eu que vim ter com elas, à sua casa.
estão cá, quando eu não estou, todas as flores e ervas daninhas e trepadeiras. estão cá as árvores enormes que, em meio a uma tempestade trovejante ou sob o silêncio do sol de verão, respiram solenes, permanentemente com o mesmo batimento cardíaco. estáveis e imponentes, são abraço para os passarinhos que cantam não porque alguém os vá ouvir, mas simplesmente porque têm uma canção.
toda esta magnificência continua a existir mesmo quando ninguém está a olhar para ela. em permanente transformação e ainda assim inalterada, esta floresta tem vida para além daquilo que nós vemos, e não precisa de uma plateia Humana para continuar o seu espectáculo. a sua beleza existe e persiste independentemente do quanto nós a apreciamos.
e, enquanto isso, o que estamos nós a fazer? o que estamos nós a fazer?
a luz de uma tarde primaveril vai atravessar as folhas novas das árvores e fazer pinturas nos rochedos, no chão, e no pêlo das raposas – tantas, tantas, incontáveis vezes para além desta que eu hoje contemplei.
e onde estarei eu?
a brisa suave vai sussurrar por entre as plantas e acompanhar os arvoredos num embalo semelhante aos pulmões de um gigante. as folhas secas vão cair no chão, uma a uma, e os frutos silvestres vão amadurecer e trazer à vida novas cores.
onde estarei eu?
enquanto me perco nos afazeres e nos prazos e nos comboios, esta floresta descansa e louva ao seu Criador com cada movimento milimétrico das folhas ao ritmo da brisa, cada fragrância de uma flor em botão, cada som do saltitar de um melro sobre as folhas secas no chão. enquanto eu me atarefo com o meu dia-a-dia insignificante, Deus sussurra através desta floresta as palavras indizíveis que eu mais precisava de ouvir.
as pedras são mais bonitas do que as casas que nós construímos com elas.
rrc