no mesmo barco

De onde vêm as nossas perguntas? Como pode ser que qualquer um de nós, desde o multimilionário nos Estados Unidos até à criança abandonada no Camboja, tenhamos sede da mesma água, medo do mesmo escuro, inspiremos o mesmo ar e pensemos os mesmos pensamentos?

“De músculos, de carne e osso, pele e cor.” Não é bonito que, independentemente daquilo que ouçamos ou acreditemos, todos vimos do mesmo lugar, e os nossos corpos, quando vazios de alma, alimentarão o mesmo chão? É simples e avassalador.

Que somos nós senão viajantes na mesma embarcação, ansiando o mesmo destino, olhando apenas para lados diferentes daquilo que nos rodeia? Eu gostava de saber o que tu vês. Gostava de saber o que te entusiasma e o que te deslumbra. Se puderes, diz-me: como te percebes a ti mesmo, em meio a este intrigante cosmos no qual nos encontramos hoje? No dia em que nos ouvíssemos uns aos outros, encontraríamos respostas que nos transcendem.

O nosso coração é o único buraco negro que nos ameaça hoje. Ainda assim, nos olhos dos outros por vezes vejo rastos de pó de estrela, luzes que ao mesmo tempo me fazem todo o tipo de perguntas e me encaminham para a única resposta a todas elas. O valor de tudo reside naquilo que não conseguimos explicar. As dúvidas que todos temos são parte da resposta.

Sem nos apercebermos ou sem querermos admitir, somos todos iguais – e, em toda esta diversidade, não é encontrada nem uma ponta de caos; aparte o mal que apenas nós fazemos, tudo são tesouros. Afinal, todos estamos na mesma embarcação, e todos nos perguntamos qual os significado deste mar imenso e azul. Porque é que ele existe? Ou será apenas uma ilusão? Onde nos leva o oceano? Porque é tão lindo e tão brutal?

Em meio a tudo isto, o mar e o céu fazem-se próximos a nós e revelam-se aos nossos olhos incrédulos e inexperientes em forma de chuva, neve, neblina e ressalga – mesmo assim, nem todos acreditamos no que estamos a ver.

Mas guardo perto do meu coração este pensamento: de que o mero facto de que chegámos até aqui diz muito sobre aquilo que nos sustenta. Todas as nossas perguntas parecem vir do mesmo lugar – e, se houver alguma verdade naquilo que muitos de nós percepcionamos, esse lugar envia-nos respostas em diferentes formas todos os dias. Bastaria olhar para o lado e perguntar: de onde veio este floco de neve? E um dos nossos companheiros seria capaz de dizer: caiu do céu, onde temos liberdade, e, antes disso, veio do mar, que sustenta o nosso barco.

Creio que a nossa dificuldade em perceber as respostas reside no facto de que encará-las consiste, em parte, em fazer pazes com o facto de que todo este mar e todo este céu são infinitamente maiores do que alguma vez caberia na nossa mente. Para a nossa própria ruína, por vezes tentamos convencer-nos de que é impossível compreender coisa alguma sobre algo que não conseguimos compreender completamente. Passamos vidas inteiras sem reconhecer as limitações do nosso próprio barco – e acabamos por nunca nos deixar deslumbrar pelas gotas de água que de facto caem dentro dele.

Curiosamente, afinal, no acto de fazer as perguntas, admitimos a resposta: há por aí algo muito maior do que nós. Temos ignorância e ingenuidade tecidas por entre os fios do nosso âmago. Por isso podemos ser enganados, levados a pensar que somos capazes de encontrar respostas sozinhos. Mas a colecção daquilo que levamos desta viagem está muito além daquilo que os nossos olhos vêm agora. Muitas vezes, está onde menos esperávamos: ao nosso lado, à espera de que façamos uma pergunta.

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