Um círculo não pode ser fechado sem reencontrar o seu princípio.
É a casa de infância, antigamente ocupada pelos pais que agora são falecidos, finalmente vendida, e cujos recantos somos levados a percorrer de novo, e aos móveis, e às loiças, olhá-las todas uma a uma, até que nos possamos libertar do passado e dar lugar ao novo, ao desconhecido.
São os alinhavos de um vestido já montado, com os quais a costureira terá de lidar outra vez se os quiser substituir por costuras fortes e definitivas.
São os pontos de tricô que se terão de desfazer, e a dor de descartar o tempo a eles dedicado, se se quiser resolver um erro que foi cometido várias linhas atrás.
É a carga desnecessária, o peso morto que os marinheiros terão de carregar durante o próprio acto de o atirar borda-fora.
Para limpar este planeta da morte que lhe trouxemos, teremos de regressar aos lugares onde o nosso lixo foi parar.
Para assegurar que perdoamos alguém, temos de recordar tudo o que ele ou ela fez.
Já estive muito longe destas memórias, e sentia-me melhor que nunca.
Agora vejo-me protagonista de uma destas muitas metáforas da vida, nas quais tenho de encarar os problemas todos outra vez para simplesmente os poder resolver.
E estes são problemas confusos; houve dor disfarçada de alegria, desconforto diluído em promessas de uma vida. Olhares que me compeliram a ignorar o quão insatisfeita eu estava.
E eu encontro estas memórias outra vez e sinto-me mal. Não sei, todavia, se me sinto mal por causa das coisas tristes, ou se pelo receio de estar a recordar com carinho as coisas boas.
Estou prestes a fechar um círculo que ficará, então, cristalizado no passado – e não tenho medo de o fazer, mas sim de hesitar.
Eu já estive neste lugar antes.
O cativeiro de onde eu só saí quando percebi que a escolha era minha.
O momento em que fui honesta comigo mesma e com os propósitos para que fui criada.
A fase do ciclo em que eu escolhi encarar as coisas como elas são.
Esta é uma viagem de redenção, que nos ensina que o mal pode ser perdoado, a sujidade pode ser limpa, o partido pode ser reconstruído, o enfermo pode ser curado, e só por isso somos capazes de fazer luto e seguir em frente. É uma viagem de transformação, porque há mais na vida para além daquilo que já aconteceu.
Porque a beleza das estações é que, no tempo certo, somos convidados a despedir-nos de algo que valeu a pena. As estações acontecem porque são boas, e acabam porque não são para continuar. Nós podemos ficar presos no que perdemos e no que ganhámos; mas talvez fôssemos mais felizes se seguíssemos o exemplo das árvores, que se libertam do que a estação anterior lhes trouxe para poderem prosseguir moldadas, fortalecidas, e renovadas para o que vier depois.
Então, sim, eu recordo com carinho as coisas boas que puderam florir em meio a algo que não era para durar. O meu solo não aguentaria mais um mês da geada que o cobriu, mas ficou mais forte para a nova estação que, entretanto, já deu sinal de si. A Primavera está a chegar e, agora sim, sinto-me melhor que nunca.
Bonito teste ..bem pensado ..escrita ..
Muito obrigada ❤️